Na casa da economista Elaine Gurovitz, 38, as refeições não duram menos do que uma hora. Esse é o tempo que seu filho David, de cinco anos, leva para comer um prato de bife e macarrão, dois dos poucos alimentos que fazem parte de sua dieta.
"Ele fica enrolando, bate os talheres, procura distração. Se pudesse ele se alimentaria só de leite e suco o dia inteiro", afirma.
O menino, que até um ano de idade comia todo tipo de hortaliça, foi eliminando as opções do cardápio até restarem somente cerca de dez itens, como ketchup -que a mãe bate no liquidificador com feijão em uma tentativa de incluir a leguminosa no prato-, arroz, pão e batata frita. Nada de legumes, e frutas só em formato de suco -e, assim mesmo, de cor laranja. "Ele não experimenta nada, nem porcarias. Acha purê e salada nojentos", conta a mãe.
Longe de ser um caso isolado, a situação que a economista descreve é comum em casas com crianças pequenas.
"De um a seis anos, a criança limita muito a variedade, diminui o consumo de vegetais e carnes e dá preferência a doces e guloseimas", explica a nutricionista Adriana Yamaguchi, do Hospital Sírio-Libanês.
Segundo o pediatra e nutrólogo Fábio Ancona Lopes, da Universidade Federal de São Paulo, a inapetência infantil se deve a um acúmulo de fatores. "É uma fase de crescimento muito mais lenta do que no primeiro ano de vida, em que o peso da criança triplica e ela cresce metade da altura que tinha ao nascer. Por ser uma fase de grande interesse pelo ambiente, diminui o interesse pela alimentação. E elas ficam muito seletivas, têm medo do novo."
Assim como David, Luísa, de três anos, filha da empresária Rosângela Betini, 41, também deixou de comer frutas e legumes após o primeiro ano de vida. "Eu ficava muitíssimo preocupada por causa da falta de vitaminas, mas ela é grandona, saudável. Não me descabelo mais", conta. Elaine Gurovitz também parou de se estressar com o tema. "O David tem altura e peso normais, está ativo, inteligente, nem prisão de ventre tem. Acho que quando crescer muda", espera.
E ela tem razão. "Se a criança não quer comer, é transitório ou sinal de um problema de saúde. Mas, se o crescimento estiver normal, o que ocorre na maioria dos casos, significa que não come o que a família gostaria, mas o que é suficiente para ela", diz o pediatra.
Embora as necessidades nutricionais do pré-escolar mudem de acordo com a faixa etária, o sexo e o nível de atividades, nessa fase as duas refeições salgadas devem incluir, em média, de duas a três colheres (sopa) de arroz, uma concha de feijão, cem gramas de carne ou ovo, duas colheres (sopa) de legumes cozidos, duas folhas e duas frutas. Três copos de leite ou derivados e um pão ou o equivalente em bolo e bolacha completam o cardápio do dia. "Mas não precisa comer essa quantia em toda refeição. O organismo estoca vitamina A, por exemplo, não precisa comer todo dia. Já a vitamina C, sim", afirma Ancona Lopes.
Se os pais podem fazer pouco para contornar a situação, resta-lhes agir para não fixar comportamentos inadequados.
Uma atitude recomendável é levar as crianças às compras, na feira ou no mercado, para que elas possam se familiarizar com os alimentos, pegá-los, entender como são preparados. "Desde pequena, precisa interagir com a comida. Tem que ser íntimo da comida porque não se come o que não se conhece", diz Fábio Ancona Lopes, da Unifesp.
É importante também não se envolver emocionalmente com o problema, evitando demonstrações de irritação ou alegria relacionadas à comida. "A criança se sente muito poderosa porque consegue manipular os pais, mas, por outro lado, é um peso muito grande ser responsável pelo bem-estar emocional da família", completa.
Por fim, oferecer sobremesa para compensar o que não foi ingerido no almoço ou oferecer guloseimas fora de hora também é contraproducente.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br
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