As palavras que dizemos revelam não só o que queremos comunicar com elas. São a chave para estruturas de pensamento, conformações de mentalidades, códigos de interação com o mundo e os demais. Esse é um dos eixos sobre os quais tem se debruçado o linguista e psicólogo canadense Steven Pinker, o primeiro convidado do ciclo Fronteiras do Pensamento 2009, hoje, às 19h30min, no Salão de Atos da UFRGS, somente para convidados. Um dos grandes nomes atuais da divulgação científica e membro do corpo docente do Departamento de Psicologia de Harvard, Pinker já teve publicados no Brasil os volumes Como a Mente Funciona, Tábula Rasa e, no fim do ano passado, Do que É Feito o Pensamento. Por meio da análise de expressões do cotidiano, gírias, citações, atos falhos, Pinker vai abrindo uma janela em direção aos padrões humanos de pensamento. Por e-mail, antes de sua chegada ao Brasil, ele concedeu a entrevista a seguir.
Zero Hora – Uma das consequências da ascensão do “politicamente correto” é que algumas palavras inapropriadas podem comprometer quem as pronunciou, gerando escândalos na mídia ou processos legais. No mundo atual, estamos mais conscientes dessa relação entre pensamento e expressão?
Steven Pinker – Sim, as palavras traem com frequência os valores de uma pessoa e, talvez o mais importante, suas suposições a respeito dos valores dos ouvintes. Quando os integrantes de uma audiência ouvem uma palavra ofensiva, não ficam apenas irritados com o palestrante, mas sentem que tem de puni-lo publicamente, para deixar claro para todos os demais que não compartilham os valores (racistas, sexistas ou homofóbicos) que estão implícitos nas palavras de quem falou.
ZH – Em Do que É Feito o Pensamento o senhor define as palavras e a linguagem como janelas para padrões de pensamento. O que nosso modo de dizer tem a nos revelar sobre o nosso modo de pensar?
Pinker – Nossos substantivos, verbos e preposições revelam como os seres humanos conceituaram a substância, a causalidade, o tempo e o espaço. Nossas juras e promessas revelam que tipo de emoções nós inibimos. Nosso uso da polidez, da sugestão e do eufemismo revelam os tipos de relações sociais que nos preocupamos em manter.
ZH – Um dos mitos persistentes a respeito da ciência é que a “mente humana é um mistério”. O que há de verdade e o que é mentira nessa definição?
Pinker – Conhecemos bastante sobre o funcionamento do cérebro e das emoções, a lógica da linguagem, o funcionamento da percepção, as fontes de diferenças individuais e as limitações da cognição. Naturalmente, há muito que ainda não compreendemos, mas muito disso são problemas normais da ciência e serão resolvidos ao longo do próximo século. Pode igualmente haver “mistérios”, perguntas como a existência da consciência subjetiva, que parecem tão misteriosas, após haver sido estudadas por décadas, quanto eram para os filósofos antigos.
ZH – Por anos se discutiu que meios audiovisuais, como TV e cinema, estariam comprometendo o idioma e sepultando a palavra escrita. A internet e as mensagens MSN parecem ter resgatado a palavra escrita, embora com características particulares: cheia de abreviaturas e idiossincrasias ortográficas. O uso desse tipo de gíria pode influenciar a linguagem do futuro?
Pinker – As pessoas têm muitas maneiras simultâneas de discurso. Não falamos do mesmo jeito quando conversamos com as crianças, com um amigo, com um superior, ou com uma audiência formal em uma palestra ou conferência. O estilo que usamos no e-mail e no envio de mensagens de texto são apenas mais dois estilos que dominamos. Durante a era dos telégrafos, quando as pessoas pagavam por palavra, frequentemente se omitiam preposições e artigos. E o idioma, como usado nas demais ocasiões, não mudou em consequência disso.
ZH – Em Tábula Rasa o senhor afirma que a arte moderna é provocativa, chocante. Estaria em dessintonia com os padrões estéticos inscritos em nossa mente pela evolução. A evolução nos torna conservadores?
Pinker – Não considero que se deva ser conservador para apreciar a estética, ou se aborrecer com tentativas de provocar choque. Elas eram chocantes em 1960, mas são fastidiosas agora. O fato de que você está tentado a chamar isso de conservador mostra o quanto a vanguarda mudou a discussão sobre a arte.
ZH – Também em Tábula Rasa o senhor afirma que há uma programação genética que afeta a maneira como o homem age e pensa. Com tanto programado em nós, qual o papel do acaso na vida humana?
Pinker – Suponho que por “acaso” você queria se referir às possibilidades aleatórias. Elas desempenham um papel enorme. É o que podemos ver nos gêmeos idênticos que crescem juntos. Eles compartilham genes e compartilham também quase todo o ambiente. E ainda que sejam altamente parecidos, certamente não são idênticos. Todas as diferenças devem vir do acaso, de fatores aleatórios na expressão do gene, na trama cerebral ou em eventos casuais que nos afetam enquanto vivemos nossas vidas.
Fonte: Zero Hora
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