domingo, 8 de março de 2009

Mulher na Idade Média


A participação e o lugar da mulher na História foram negligenciados pelos historiadores por muito tempo. Elas ficaram à sombra de um mundo dominado pelo gênero masculino. Ao pensarmos o mundo medieval e o papel desta mulher, esse quadro de exclusão se agrava ainda mais, pois alem do silêncio que encontramos nas fontes, os textos que muito raramente tratam o mundo feminino estão impregnados pela aversão dos religiosos da época por elas.

Na Idade Média, a maioria das idéias e de conceitos eram elaborados pelos Escolásticos. Tudo o que sabemos sobre as mulheres deste período saiu das mãos de homens da Igreja, pessoas que deveriam viver completamente longe delas. Muitos clérigos consideravam-nas misteriosas, não compreendiam, por exemplo, como elas geravam a vida e curavam doenças utilizando ervas.

A mulher para os clérigos era considerada um ser muito próximo da carne e dos sentidos e, por isso, uma pecadora em potencial. Afinal, todas elas descendiam de Eva, a culpada pela queda do gênero humano. No inicio da Idade Média, a principal preocupação com as mulheres era mantê-las virgens e afastar os clérigos desses seres demoníacos que personificaram a tentação. Dessa forma, a maior parte das autoridades eclesiásticas desse período via a mulher como portadora e disseminadora do mal.

Isso as tornava má por natureza e atraída pelo vício. A partir do século XI com a instituição do casamento pela Igreja, a maternidade e o papel da boa esposa passaram a serem exaltados. Criou-se uma forma de salvação feminina a partir basicamente de três modelos femininos: Eva (a pecadora), Maria (o modelo de perfeição e santidade) e Maria Madalena (a pecadora arrependida). O matrimonio vinha para saciar e controlar as pulsões femininas. No casamento a mulher estaria restrita a um só parceiro, que tinha a função de dominá-la, de educá-la e de fazer com que tivesse uma vida pura e casta.

Eram consideradas como a causa e objeto do pecado, era portadora de entrada para o demônio. Só não eram consideradas objetos do pecado quando eram virgens, mães ou esposas, ou quando viviam no convento. Quando eram esposas não podiam vender nem hipotecar seus bens sem a autoridade e consentimento do seu marido.

As camponesas trabalhavam muito: cuidavam das crianças, fiavam a lã, teciam e ajudavam a cultivar as terras. As mulheres com um nível social mais alto tinham uma rotina igualmente atribulada, pois administravam a gleba familiar quando seus maridos estavam fora, em luta contra os vizinhos ou em cruzadas à Terra Santa. Atendimento aos doentes, a educação das crianças também eram tarefas femininas.

Essa falta de conhecimento da natureza feminina causava medo aos homens. Os religiosos se apoiavam no Pecado Original de Eva para ligá-la à corporeidade e inferiorizá-la. Isso porque, conforme o texto bíblico, Eva foi criada da costela de Adão, sendo, por isso, dominada pelos sentidos e os desejos da carne. Devido a essa visão, acreditava-se que ela foi criada coma única função de procriar.

Na idéia do Pecado Original encontramos uma outra característica criticada nas mulheres pelos clérigos, a tagarelice. Afinal foi por um pedido de Eva que Adão aceitou o fruto proibido, e pó isso, foi considerada uma enganadora.

Maria foi à redentora de Eva, que veio ao mundo com a missão de liberar Eva da maldição da Queda. Desenvolveu-se então a idéia de Maria era a mãe da humanidade, de todos os homens e mulheres que viviam na graça de Deus, enquanto Eva era a mãe de todos que morrem pela natureza. O culto a Maria se baseava em quatro pilares: a maternidade divina, a virgindade, a imaculada concepção e a assunção.

Por isso, as mulheres eram encorajadas a se manterem castas até o casamento, se a sua opção de vida fosse o matrimônio. Porém, a melhor forma de seguir o exemplo de Maria era permanecer virgem e tornar-se esposa de Cristo, com base na idéia recorrente de que Maria era “irmã, esposa e serva do Senhor”. Eva simbolizava as mulheres reais, e Maria um ideal de santidade que deveria ser seguido por todas as mulheres para alcançar a graça divina, caminho para a salvação.

Mas como Maria era um ideal a ser seguido, inatingível pelas mulheres comuns, surge à figura de Maria Madalena, a pecadora arrependida, demonstrando que a salvação é possível para todos que abandonam uma vida cheia de pecados. Com essa imagem de mulher pecadora que se arrepende e segue o mestre até o calvário, Maria Madalena veio demonstrar que todos os pecadores são capazes de chegar a Deus.

A partir daí foi concebido as mulheres, assim como a pecadora o direito ao arrependimento, demonstrado pela prostração, humilhação e lagrimas, em oposição à tagarelice de Eva, que levou toda a humanidade ao pecado. Por isso, a pregação feminina deveria ser sem palavras, feita apenas pela mortificação corporal.

Todo este antí-feminismo tinha como objetivos básicos: afastar os clérigos das mulheres, institucionalizar o casamento e a moral cristã, moldada através da criação de um segundo modelo feminino a Virgem Maria.
Os três modelos difundidos por toda a Idade Média (Eva, Maria e Madalena) deixam claro o papel civilizador e moralizador desempenhado pela Igreja Católica ao longo de aproximadamente mil anos de formação da sociedade ocidental.

A própria passagem da visão de corporeidade e danação feminina, pautada no modelo de Eva, vista como aliada do demônio. Esse estado de maldição foi amenizado com o culto à Virgem Maria, que trouxe consigo a reconciliação entre a humanidade e Deus, contudo, essa reconciliação ainda restritiva, pois somente aqueles que vivessem na graça divina alcançariam à salvação. Com Maria Madalena se estende a possibilidade de salvação a todos que tinham caído no erro, mas foram capazes de se arrepender.

Eva concentra em si todos os vícios que trazem símbolos tidos como femininos, como a luxuria, a gula, a sensualidade e a sexualidade. Todos esses atributos apareciam nela como exemplo. E como forma de salvação para a mulher, eles ofereciam a figura de Maria Madalena, a prostituta arrependida mais conhecida e que se submeteu aos homens e a Igreja.

Fica claro assim que não é possível analisar o que as mulheres pensam de si próprias: o que nos foi transmitido pelas fontes são modelos ideais e regras de comportamento que nem sempre são positivos.

Essa concepção de mulher, que foi construída através dos séculos, é anterior mesmo ao cristianismo. Foi assegurada por ele e se deu porque permitiu a manutenção dos homens no poder, fornecia uma segurança baseada na distancia ao clero celibatário, legitimou a submissão da ordem estabelecida pelos homens. Esta construção começou apenas a ruir, mas os alicerces ainda estão bem fincados na nossa sociedade.

Texto escrito pela Professora Patrícia Barboza da Silva Licenciada pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG.
Colunista Brasil Escola

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:
- DUBY, G; PERROT, M (dir). História das mulheres: a Idade Média. Porto; Afrontamento, 1990.
- RAMON, Llull. Missoginia e santidade na Baixa Idade Média: os três modelos femininos no livro das maravilhas. Instituto Brasileiro de Filosofia e ciência Raimundo Líilio. 2002.

Fonte: Brasil Escola

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